O Globo
– CARTUM – Condenada à morte por se casar com um cristão, a sudanesa
Meriam Ibrahim pode, enfim, sentir-se segura. Em maio deste ano, ela
recebeu a pena capital após ser acusada de apostasia (abandono à
religião) por ter deixado a fé islâmica. Em seguida, foi libertada, mas
impedida de deixar o Sudão. Nesta quinta, finalmente, Meriam foi levada à
Itália e recebida pelo primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi. Ela e
se encontrou com o Papa Francisco na Casa Santa Marta, no Vaticano.
Mãe de uma criança de 2 anos, Meriam
estava grávida quando recebeu sua sentença. Ela foi obrigada a dar à luz
na cadeia. Nesta quinta, a sudanesa de 27 anos chegou ao aeroporto
Ciampino de Roma acompanhada de sua família e do vice-ministro dos
Negócios Estrangeiros, Lapo Pistelli, que foi ao Sudão para buscá-la na
quarta-feira. Ela foi liberada após intensas negociações diplomáticas do
governo italiano, e o Vaticano encerrou um calvário que durou quase um
ano.
“Hoje estamos felizes, este é um dia de
celebração”, disse Renzi enquanto cumprimentava Ibrahim e sua família,
ao lado de sua esposa Agnese.
Pistelli conheceu Ibrahim há duas semanas
na Embaixada dos EUA em Cartum, onde ela e sua família se refugiaram
depois de uma tentativa frustrada de ir para os EUA.
A sudanesa disse que seu passaporte só
foi devolvido a ela na embaixada na quarta-feira à tarde e, então, ela
foi informada de que poderia sair com seus filhos. “Enquanto estávamos
fazendo os procedimentos finais ela nem sabia se ela iria poder ir”,
disse Pistelli, que deixou a Itália na quarta-feira à noite para buscar
Ibrahim. Segundo o vice-ministro, ela e seus dois filhos estão em
excelente saúde.
Lapo Pistelli disse que o papa Francisco
havia expressado “sua gratidão e alegria” quando soube que Ibrahim tinha
chegado. Ela será transferida para os EUA em alguns dias.
A prisão de Ibrahim e a sentença de morte
foram criticadas pela comunidade internacional. Libertada por pressões
externas, ela foi novamente detida ao tentar deixar o Sudão. A mulher
chegou a dar à luz algemada em uma cela em Cartum em maio. Os casamentos
que misturam duas fés não são reconhecidos no país. Ibrahim foi
denunciada pelo próprio pai. No entanto, ela insistiu que foi criada na
fé cristã por sua mãe, ortodoxa etíope, depois que seu pai as deixou
quando ela era uma criança.
Lideranças estrangeiras demonstraram
preocupação com o caso. John Kerry, secretário de Estado americano,
pediu a revogação das leis que proíbem a conversão de muçulmanos para
outras religiões, enquanto grupos de direitos humanos pediam a
libertação de Meriam. Em junho, o Supremo Tribunal do Sudão suspendeu a
sentença de morte.
Tentativa anterior de Ibrahim deixar o
país com seu marido Daniel Wani, um cidadão americano, foi impedida
pelas autoridades, dias depois de sua libertação da prisão, sob a
alegação de estar com documentos “falsos”. Ibrahim negou a afirmação.
Grupos de direitos humanos aplaudiram a
notícia de que Ibrahim tinha finalmente sido permitida de deixar o
Sudão, mas destacaram que a repressão aos cristãos no país
norte-africano continua.
A diretora Olivia Warham da Waging Peace,
ONG do Reino Unido que luta contra o genocídio e violações sistemáticas
dos direitos humanos no Sudão, disse que milhões de cristãos sudaneses
enfrentaram brutalidade diária e limpeza étnica do regime sudanês.
“Três anos atrás, o presidente Omar
al-Bashir deixou claro que não haveria espaço para os não-muçulmanos no
Sudão islâmico. Ele tem honrado sua palavra, esmagando os dissidentes e
matando sistematicamente as minorias étnicas e religiosas. Bombardeios
aéreos comuns pelas forças armadas sudanesas destroem comunidades e
hospitais cristãos, forçando as pessoas a fugir de suas áreas para
esconder nas montanhas de Nuba”, afirmou. Para Warham, é chocante que a
ideologia de eliminação do presidente provoca somente ocasionais
palavras de pesar da comunidade internacional, quando sanções
inteligentes deveriam ser impostas aos arquitetos dessas atrocidades.
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