terça-feira, 19 de agosto de 2014

Iraque: ”Só pode voltar para cá quem se converter ao Islã”, afirma ‘Califado Islâmico de Mosul’

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“Alô, estou falando com Haji Othman, do Califado Islâmico de Mosul?”
“Sim, mas com quem eu estou falando?”
A resposta chega hesitante por um momento ao meu tradutor iraquiano.
“Sou um jornalista italiano e estou telefonando de Erbil.”
“E como é que você conseguiu o meu número, quem o deu a você?”
Ele me foi dado pelos cristãos expulsos de Mosul que eu encontrei nas igrejas de Erbil. Foi você que o deu quando passava pelas suas casas para tranquilizá-los, antes de expulsá-los. Não se lembra? Podemos fazer-lhe algumas perguntas por telefone? É difícil falar com você.”
“Tudo bem, mas poucas perguntas. Estou com pressa, tenho coisas para fazer”, responde, mais agressivo.
Haji Othman é o homem que os cristãos que fugiram para Erbil descrevem como representante do “Califado” para as relações com as comunidades não muçulmanas. E dizem que ele os traiu: pegou os seus nomes, os seus números de telefone e identificou as suas casas. Recenseou a população cristã.
Antes, tranquilizou-os, convidando-os a permanecer nas suas casas em Mosul, mas, poucos dias depois, das mesquitas, veio a ordem de escolher entre converter-se, pagar uma taxa ou ser morto.
A linha é um pouco confusa. Ouvem-se fortes barulhos e vozes ao fundo, como se ele estivesse na rua. Ele não faz nada para silenciá-los. Está disponível, mas parece claro que poderia desligar o telefone de uma hora para a outra. Começamos, então, com uma pergunta acolhedora.
Eis a entrevista.
Como você explica os recentes sucessos militares dos combatentes do Califado? O que facilitou para vocês o avanço nos territórios curdos?
“Isso não é nada ainda. Estamos só no início”, responde ele de ímpeto, evidentemente afagado no orgulho.
O que você quer dizer? Que armas vocês têm?
Até agora, utilizamos apenas uma ínfima parte das forças que temos à nossa disposição. Vocês não podem sequer imaginar o quão forte nós somos.
Como assim?
Temos um poder imenso. Vocês vão ficar estupefatos. Vocês não podem resistir a nós.
Mas a aviação norte-americana está bombardeando vocês à vontade. Isso não é um problema?
“Oras! O que você está dizendo?”, responde, explodindo em uma risada. Seguem depois alguns segundos de silêncio, parece que ele desligou o telefone. Mas depois continua: “Nunca tivemos medo dos americanos, nem mesmo quando, no passado, éramos mais fracos. Por que você acha que deveríamos ter medo hoje? Nós os derrotamos antes e os derrotaremos de novo. Que Alá amaldiçoe os americanos e os seus aliados! Vão acabar mal.
O que você responde aos cristãos que gostariam de voltar para as suas casas em Mosul e na planície de Nínive?
Que podem voltar, serão bem-vindos. Mas com uma condição: que se convertam ao Islã. Então, os acolheremos como irmãos.
E se quiserem permanecer cristãos?
Então, têm que pagar o Jeziah (o antigo imposto cobrado pelos muçulmanos às minorias não islâmicas). Eles não têm alternativa. Agora chega, estou ocupado, vou desligar.
Não, por favor, espere. Explique-nos, quanto custa o Jeziah, como vocês o calculam?
Irmão, eu sou um militar. Não me ocupo com coisas contábeis. Eu combato e deu. Esses aspectos devem ser perguntados aos nossos imãs nas mesquitas de Mosul. São eles que estabelecem as leis e as suas aplicações. Yallah, tenho que ir.
* * *
Estamos nos instantes finais. Em poucos segundos, ele vai desligar. Entende-se isso pelo tom de voz, cada vez mais impaciente. Vale a pena terminar com uma pergunta que certamente lhe incomoda.
Mas em todo o mundo há relatos dos crimes de vocês cometidos contra os Yazidi. O que vocês fizeram com as mulheres deles? É verdade que elas se tornaram suas escravas sexuais?
Mas isso não é verdade em nada! É a mídia que relata essas falsidades. São mentiras. Nós não fazemos essas coisas.
Mas os Yazidi relatam isso…
* * *
Othman interrompe aqui. O tom é seco, duro: “Agora chega! Acabou. Nós não fazemos essas coisas, entendido? Chega dessas mentiras! E não me telefone nunca mais. Apague o meu número”.
A reportagem é de Lorenzo Cremonesi, publicada no jornal Corriere della Sera.

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