quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Você entendeu bem o alcance da ‘reforma dos processos de nulidade matrimonial’ efetivada pelo Papa Francisco?

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À medida que passam os dias é cada vez mais evidente o alcance revolucionário dos motu proprio publicados no dia 8 de setembro pelo Papa Francisco sobre a reforma dos processos de nulidade matrimonial.
O próprio Papa, no começo do documento [Mitis Iudex Dominus Iesus], indica o motivo da reforma: “O grande número de fiéis que, desejando responder à sua própria consciência, são muitas vezes dissuadidos pelas estruturas jurídicas da Igreja”.
Na apresentação oficial dos motu proprio, o presidente da comissão que elaborou a reforma, dom Pio Vito Pinto, decano da Rota Romana, transformou o motivo em meta: “Passar do restrito número de poucos milhares de nulidades à enorme quantidade de pessoas infelizes que poderiam ter a declaração de nulidade, mas que não a obtém por causa do sistema em vigor”.
Também estes fiéis insatisfeitos que esperam ver reconhecida a nulidade de seu matrimônio fazem parte, segundo a visão de Francisco manifestada por Pinto, desses “pobres” que estão no centro do seu pontificado. Milhões e milhões de “infelizes” à espera de um auxílio que lhes é devido.
O objetivo da reforma processual desejada por Jorge Mario Bergoglio é precisamente este: permitir às enormes multidões o acesso fácil, rápido e gratuito ao reconhecimento de nulidade de seus matrimônios. 
O processo ordinário
Os tipos de processo matrimonial que emergem da reforma são principalmente dois: um é o ordinário e o outro – inteiramente novo – é o chamado “mais breve”.
No processo ordinário, a principal novidade é a abolição da obrigatoriedade do duplo julgamento de nulidade. Bastará um só, como já se permitiu de maneira experimental entre 1971 e 1983 aos tribunais eclesiásticos dos Estados Unidos.
Um único julgamento, sem apelação, implica em reduzir a duração de um processo ordinário para apenas um ano.
Além disso, deverão ser criados tribunais eclesiásticos em cada uma das dioceses do mundo, mesmo nas menores e mais remotas, objetivo ainda muito distante para a Igreja católica hodierna por causa, principalmente, da falta de eclesiásticos e leigos especialistas em direito canônico.
Há também uma ulterior inovação ainda mais importante, expressa no novo cânon 1678 § 1 que substituirá o correspondente cânon 1536 § 2 do Código de Direito Canônico em vigor.
Enquanto que no cânon prestes a desaparecer “não se pode atribuir força de prova plena” às declarações das partes a não ser que “outros elementos as corroborem totalmente”, no novo cânon “as declarações das partes podem ter valor de prova plena” e serão avaliadas como tais pelo juiz “se não houver outros elementos que as desmentem”.
Pode-se entrever nisto uma exaltação da subjetividade da pessoa que apresentou o pedido de nulidade. Ela está em sintonia a quanto foi dito na apresentação oficial dos dois motu proprio tanto por dom Pinto, como pelo secretário da comissão por ele presidida, dom Alejandro W. Bunge, sobre o “motivo principal” que, na sua opinião, leva tantos católicos a dirigir-se aos tribunais eclesiásticos que tratam dos assuntos matrimoniais:
“A nulidade é solicitada por motivos de consciência. Por exemplo, com a finalidade de viver os sacramentos da Igreja ou para completar um novo vínculo que, ao contrário do primeiro, é estável e feliz”.
É, portanto, fácil prever que a velha controvérsia sobre a comunhão aos divorciados recasados fica, de fato, sem sentido, para ser substituída pelo recurso ilimitado e praticamente infalível da declaração de nulidade do primeiro matrimônio.
O processo “mais breve”
A maior novidade da reforma desejada por Francisco é o chamado processo “mais breve”. Segundo os novos cânones pode começar e terminar no arco de apenas 45 dias, com o bispo ordinário como juiz último. E único.
O recurso a este procedimento abreviado é permitido “nos casos em que a manifestada nulidade do matrimônio esteja assentada sobre argumentos claramente evidentes”.
Mas há ainda outra coisa. Vista a lista de exemplos de circunstâncias que podem motivar este processo, inclusive no artigo 14 § 1 das “Regras processuais” anexadas ao motu proprio, podemos deduzir que este tipo de processo não é apenas autorizado, mas encorajado.
Este artigo diz literalmente: “Entre as circunstâncias que permitem a discussão da causa da nulidade do matrimônio por meio do processo mais breve […] enumeram-se, por exemplo:
– essa falta de fé que pode gerar a simulação do consentimento ou o erro que determina a vontade;
– a brevidade da convivência conjugal;
– o aborto buscado para impedir a procriação;
– a permanência obstinada em uma relação extraconjugal no momento do casamento ou no período imediatamente posterior;
– a ocultação fraudulenta da esterilidade, de uma doença contagiosa grave, de filhos nascidos de uma relação precedente ou de ter estado na prisão;
– o motivo do matrimônio seja totalmente alheio à vida conjugal, ou seja, causado pela gravidez imprevista da mulher;
– a violência física infligida com vistas a arrancar o consentimento;
– a falta de uso da razão, comprovada com laudos médicos, etc.”
A lista assombra por sua heterogeneidade. Ela comporta inclusive circunstâncias como exercer violência física para arrancar o consentimento, efetiva causa de nulidade de um casamento. Mas inclui outras, como a brevidade da convivência conjugal, que não podem de maneira alguma fundamentar um pronunciamento de nulidade. E inclui outra, como a falta de fé, que embora difícil de verificar, é evocada cada vez com maior frequência como um novo e universal coringa para a nulidade. No entanto, estas circunstâncias estão enumeradas como equivalentes, acrescentando, além disso, um “etc.” final que induz a acrescentar outros exemplos à vontade.
Mas, além de heterogênea, a lista é equívoca. Em si mesma, enumera circunstâncias que simplesmente permitirão ter acesso ao processo “mais simples”; mas é facílimo que seja lida como uma lista de casos que permitem obter o reconhecimento de nulidade. Muitos casais viveram alguma das circunstâncias indicadas – por exemplo, uma gravidez antes do casamento – e é, portanto, natural que nelas surja a convicção de que, caso o solicitarem, o seu casamento pode ser dissolvido, dada também a pressão que a Igreja exerce sugerindo – precisamente na presença dessas circunstâncias – recorrer ao processo de nulidade, inclusive mais rápido.
Em resumo, se a isto se acrescenta que em cada diocese deverá funcionar um serviço preliminar de assessoramento que se ocupará de levar até este caminho a quem for considerado idôneo, o resultado previsível de um processo “mais breve” como este, uma vez iniciado, seria o de uma sentença de nulidade. Ou seja, segundo a opinião geral, um divórcio, como o próprio Papa Francisco parece pressagiar e temer ali onde escreve, no proêmio do motu proprio:
“Não me escapou o fato de que um julgamento abreviado pode colocar em risco o princípio da indissolubilidade do matrimônio”.
E prossegue: “Precisamente por isso, quis que neste processo o próprio bispo se constitua como juiz, posto que, conforme o seu ofício pastoral, ele é, com Pedro, o maior fiador da unidade católica na fé e na disciplina”.
Sandro Magister –  Chiesa.it

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